Conhecendo melhor nossa "Santa & Bela Catarina" – a 2ª viagem... 8 de 9: Criaturas abençoadas...
Escrito por: Rodrigo Martins em 14/07/2010

Se pudéssemos voltar no tempo, eu pelo menos jamais teria colocado aquele maldito celular para despertar... Teria aproveitado muito mais, como se cada segundo fosse o último. Aconteceu tão de repente, tão rápido e tão forte! Não estava preparado para isso, mas aconteceu. Eu me apaixonei de verdade por aquela cama. E ter que deixá-la assim, tão repentinamente – partiu meu coração. A julgar pela cara tristonha do Fernando, ele também pareceu ter criado laços emocionais com a pousada. Após uma semana dormindo em lugares de qualidade na maioria das vezes duvidosa, finalmente tivemos uma noite de merecido conforto. Pela primeira vez na viagem conseguimos uma noite perfeita de sono. E isso que ficamos na ala dos proletários. Imagina no setor burguês, onde o Príncipe Roberto pousou - com banheira de hidromassagem e tudo o mais. Sabíamos que o dia que estava por vir seria difícil, então tentamos (sem sucesso) não enrolar muito de manhã cedo. A essa altura da viagem, nossa preguiça matinal já era crônica. O café da manhã foi dos melhores e o nosso astral estava ótimo, pelo menos até o Roberto começar a falar sem parar. Como pode alguém falar tanto de manhã cedo? Credo...

DIA 8 - DE IMARUÍ À SÃO BONIFÁCIO PASSANDO POR VARGEM DO CEDRO, E ANTES PEDINDO A BENÇÃO PARA A BEATA ALBERTINA...

O dia amanheceu nublado, entretanto (finalmente) não estava chovendo. O lugar é simplesmente encantador.

O vazio entre as bikes nos fez lembrar do agora não mais moribundo Marcelo, que certamente naquele momento ainda estava dormindo. Por alguns segundos sentimos raiva dele e voltamos a ficar tristes, relembrando a amada cama que ficou para trás. Iniciamos o dia ladeando a Lagoa de Imaruí e agora se afastando de vez do litoral. Alguma coisa estava estranha e levamos algum tempo para perceber.

Não estava chovendo, e - tinha sol! Isso mesmo, o sol!, esse outrora esquecido. Pouco, mas tinha e a sensação era demais. Chegamos quase a sentir o bolor desaparecer.  

Foi um início de dia complicado, pois alternaram muitas subidas e descidas. Os raros períodos de sol se intercalaram com rápidas pancadas de chuva. 

Imaruí impressiona pela sua beleza. De colonização açoriana, possui pouco mais de 13 mil habitantes e é ercada por duas enormes lagoas, nada mais natural do que ter a pesca como atividade principal. A agricultura tem sua parcela no desenvolvimento da região, principalmente nas plantações de arroz e mandioca.

Em determinado momento, as oscilações de elevação de terreno cessaram e pedalamos num belo e agradável platô por algum tempo. E isso, nos trouxe angústia, por que de alguma forma não parecia ser bom.

Nossa inquietude tinha procedência, pois começamos a subir de maneira absurda. O cansaço que até então era sugestivo, tornou-se iminente e as dores começaram a aparecer. Subimos muito e à medida que isso ia acontecendo, a temperatura ia baixando.

Por várias horas pedalamos no meio do nada. A temperatura caía na mesma proporção que a fome aumentava e continuávamos subindo. Foi um momento que gerou bastante preocupação, pois eu já não tinha mais certeza se o nosso condicionamento físico era suficiente para completar a demanda. Olhei para o Roberto e ele ainda estava respirando e isso era um bom sinal. Perto das 15h, as infaustas criaturas aqui, chegaram a São Luiz, um pequeno vilarejo Hobbit de Imaruí.

A região é bem famosa no círculo religioso, pois ali viveu Albertina Berkenbrock - que foi beatificada no final de outubro de 2007. Em São Luiz, fica a capela onde estão sepultados seus restos mortais. Independente da crença de cada um, é visível a seriedade do local e foi muito gratificante ter passado por lá. O local é freqüentado por pessoas extremamente bem intencionadas, que nos acolheram muito bem e que nos trouxe algum conforto. Segundo se diz, Albertina foi morta aos 12 anos de idade, em junho de 1931 - degolada após uma frustrada tentativa de estupro por um empregado de seu pai. Menina íntegra e de formação cristã, de elevada condição moral e espiritual, totalmente inclinada à bondade. Sua natureza pura fez-se formar entre o povo a opinião de que ela havia morrido mártir e por conta disso, deveria ser considerada Santa. Logo em seguida a sua morte foram relatadas várias graças concedidas por sua intercessão e o lugar de seu martírio e seu túmulo tornaram-se pontos de peregrinação. Por coincidência, no único restaurante da localidade (naquele momento parecia ser o único no mundo), acontecia a festa de aniversário de 94 anos do irmão da Beata Albertina. A festa não era aberta, mas uma simpática e caridosa moça nos falou que ninguém iria ficar sem comer. Quase choramos com essa tão linda sentença, por que naquele momento estávamos desesperados de fome. Comemos muito bem (em qualidade e quantidade!) e nos foi cobrado apenas um valor simbólico. Muito bacana mesmo. Abastecemos nossas mochilas com chocolate numa vendinha local e após um breve descanso, seguimos viagem de bem com a vida e com a barriga em paz...

Esfriou muito e batemos o queixo por algum instante. O almoço foi a injeção de ânimo que precisávamos e nosso ultimamente sumido bom humor reapareceu.

Subimos por mais um bom trecho, mas aí sim, finalmente começamos a descer. Apesar do frio, foi bacana pedalar ladeira abaixo e por tanto tempo. Bem mais para frente, chegamos a Vargem do Cedro, outro vilarejo Hobbit. Pelo que vimos - nada de pescaria. O comércio por ali é de culinária alemã e doces. Não tão doce foi o que aconteceu em seguida.

Nossa segunda baixa: a tão judiada bike do Roberto não resistiu e quebrou! A desolação foi total. Apesar de estar pedalando constantemente no limite, Roberto estava acompanhando bem. E o melhor, ele cansado não fala tanto – o que nos alegra de verdade. Novamente ficamos sem saber o que fazer. Péssimos mecânicos que somos, nos resignamos e fomos procurar alguém para levar o inconformado Roberto embora. Realmente ficamos tristes pelo amigo. Não foi um momento bacana, mas procuramos não pensar muito nisso, pois tínhamos um bom trecho ainda para percorrer. Roberto seguiu viagem de Pickup Ford Courier (com um nativo que lhe extorquiu a alma pela carona) até São Bonifácio e os dois trouxas remanescentes, continuaram sua jornada - novamente morro acima.

Foi um momento sombrio. Não parávamos de subir e junto com a chuva veio à noite... Pedalamos por horas e horas no meio do nada, num negrume total! O cansaço era demais e concluímos que o Roberto pedalou até onde poderia de fato ter ido. Nos conformamos com isso.

Em algum momento começamos a descer. E descer de verdade! Talvez uma das partes mais bacanas dessa pedalada toda. A vontade de chegar ao hotel era tanta, que pedalamos de forma imprudente, muito mais rápido do que deveríamos...

E numa dessas curvas que surgem do nada, Rodrigo passou direto e quase caiu dentro de um rio. Foi por muito pouco mesmo. Chovia demais naquele momento, muita lama e escuridão total. Porém, estávamos nos divertindo um bocado. Nada de frio, fome ou cansaço. Curtimos de verdade o momento.

Chegamos à São Bonifácio em estado de deploração total. No primeiro boteco que encontramos paramos para comer, por que mais um pouco e era capaz de desmaiarmos. Comemos um dos melhores X-Salada de nossas vidas! Erramos só em pedir uma Coca-Cola bem gelada. Pois assim que o corpo esfriou - passamos o maior frio da história, de quase cair das bicicletas de tanto tremer. Chegamos no hotel após as 21h, depois de mais de 8 horas pedalando. Roberto estava nos esperando meio aflito e sua alegria em nos ver foi contagiante. A empolgação dele é muito bacana e demos boas risadas juntos dessa pedalada sem sentido. Roberto nos fez mudar de hotel em cima da hora. Fomos para um, no mínimo, 10 vezes melhor que o previamente reservado. Bem mais caro também, mas como a Pizza Bis estava bancando, nos restou apenas agradecer. Chegamos tão sujos que tivemos que tomar banho de roupa e tudo. Entramos no chuveiro com capacete, sapatilha e tudo mais. Uma hora embaixo da ducha (no mínimo) para tirar a craca toda e lá se foi outro dia especial em cima de uma bike. Após o banho, apagamos e não lembro de mais nada. Só posso afirmar que realmente somos criaturas abençoadas...

Penúltima etapa cumprida. Emporcalhados, encharcados e acabados. E, ainda por cima... De saco cheio de pedalar!

Comentários
Ter, 20 de julho de 2010
Por: éder carvalho
Parabéns, moçada.
Excelente percurso; muito bem descrito e demonstrado. Aguardaremos o próximo. Com um percurso de 438km em 3 dias e meio, de Curitiba para Santa Mariana; porém com o rei sol durante o maior período; acho melhor que sair no frio e chuva. Abç






Seg, 19 de julho de 2010
Por: Lucas Goulart
Muito bom!! Cada vez melhor os comentários e as fotos!!
Sáb, 17 de julho de 2010
Por: Waldson (Antigão)
Fantástico! Como já pedalei no frio e na chuva e se não bastasse, com fome, senti na carne a dureza do momento.
Vocês, principalmente neste oitavo dia, correram o risco de ficar hipotérmicos ao tomar a coca-cola gelada.

Mas, como já disseram acima, creio que esta experiência bem que merecia estar nas páginas de um livro.

Parabéns amigos, vocês estão realmente de parabéns mostrando para a gente que é possível, sim, é possível!

Grande abraço!

Sex, 16 de julho de 2010
Por: Luís Carlos
Realmente uma aventura muito legal, a narrativa é muito divertida e mostra as sensações que a gente sente na estrada sob 2 rodas, conforme o desgaste vai aumentando o humor vai piorando, mas basta um descanço e um pouco de comida e o ânimo retorna.
Faço minhas viagens também, normalmente sozinho, mas tenho vontade de fazer um percurso mais longo, com mais dias de viagem. Pretendo fazer um tour, pela minha terra natal, Porto União/SC, pela região rural, principalmente onde moraram meus avós, tios, etc, por lá tem visuais muito bonitos para serem vistos, desde que estejamos dispostos a explorar as estradas rurais. Ví que alguns dias vcs viajaram a noite, isto foi por acidente ou falta de planejamento? Prefiro sempre o dia, por vários motivos, o principal deles é aproveitar melhor a viagem. Convive com pessoal do interior e normalmente são hospitaleiros e se batermos na porta de alguém, vão te dar abrigo. Talvez isso tenha sido uma falha na viagem, tomar toda aquela chuva e lama, sem contar o perigo que cair numa ponte, num penhasco, claro que vale pela aventura, mas se puder ser evitado é melhor.
No mais, me alegra muito ver essa rapaziada, que num mundo "carrocrata" curtam tanto uma bicicleta.
Qui, 15 de julho de 2010
Por: Miguel Arcanjo Sousa
Sensacional!!!
Qdo sai o livro? Com certeza esta aventura vai render um belo livro para nós ciclistas...
Qua, 14 de julho de 2010
Por: Fábio Almeida
Que grande aventura, pessoal!!
Mas me digam: como é uma plantação de farinha de mandioca?