Lembro que durante a madrugada deu vontade de fazer xixi... Sequer abri o olho, pois sabia que o banheiro estava anos luz de distância e não estava muito disposto a fazer uma caminhada noturna naquele hotel com ares de mal-assombrado. Naquele preguiçoso pensamento de deixa para depois, de manhã cedo quase não deu tempo e foi por um triz! O despertar precoce pela bexiga que quase explodiu, não estava programado e antes mesmo das 6h30, para a alegria do Marcelo, já estávamos tomando café. Roberto atrasou um pouco e praticamente tomou café sozinho ocupando-se com seus devaneios, onde num mundo perfeito, teria pedalado Morro do Baú acima, no dia anterior. Aproveitamos para lavar nossas roupas, já que o hotel possuía centrífuga e secadora. Fernando, do nada, apareceu com um secador de cabelos. Mesmo com receio de uma possível resposta malcriada, fui obrigado a perguntar: - Pra que diabos um homem que raspa a cabeça precisa trazer um secador de cabelos numa viagem de bicicleta? Calmamente ele liga o dispositivo barulhento e começa a secar sua sapatilha, deixando todos atônitos. Marcelo, inclusive pareceu ter ficado emocionado e de fato a idéia era sensacional. Algumas poucas horas depois, com as sapatilhas quentinhas e as roupas lavadas e secas, demos reinicio a nossa intrépida jornada. O tempo não estava bom, mas pelo menos não chovia naquele momento.
Hospitaleira e de beleza singular, Luiz Alves é outra das tantas cidadezinhas típicas catarinenses, onde o falecido BESC, a praça central, os Correios e igreja matriz ficam todos na mesma quadra. Possui menos de dez mil habitantes e é conhecida como a Capital Catarinense da Cachaça. Para o nosso desgosto, a cidade não possui uma oficina de bike, o que nos deixou bastante apreensivos. Precisávamos urgentemente de um bom mecânico, pois o estado de nossas bicicletas, não era nada bom.
DIA 3 – DE LUIZ ALVES À JARAGUÁ DO SUL PASSANDO POR MASSARANDUBA...
Seguimos com um pouco mais de cautela, pois as bicicletas do Fernando e do Rodrigo estavam praticamente sem freio, correntes travando e marchas não encaixando direito.
De início, pedalamos por cerca de 4 km num belo asfalto morro acima, cercado de paisagens exuberantes, num verde bastante inspirador. A região é conhecida também como o Paraíso Verde do Vale. Pela frente, mais 22 km numa bela estradinha de chão – respirando um ar tão puro que chegou a parecer estranho.
A região é a segunda maior produtora de banana do estado. Intermináveis plantações, muito além até do que se consegue enxergar e de forma impressionante, nenhuma!... Nenhuma banana madura que pudéssemos surrupiar para matar a nossa fome.
Aos primeiros pingos, numa localidade chamada de 1º Braço do Norte, paramos numa vendinha para puxar as capas de chuva. Fernando aproveitou e comprou vários daqueles docinhos de leite com açúcar radioativo hiper concentrado e que deveria ser vendido só com prescrição médica. Treco gostoso! Rejuvenescidos a cada mordida, a ingestão extra de açúcar pareceu iluminar nosso dia. Roberto pedalava bem mais adiante, solitário.
Chegamos em Massaranduba um pouco antes das 14h. Aparentemente a cidade toda fecha para o almoço... inclusive os restaurantes. Mas nem todos. Com um pouco de dificuldade, acabamos encontrando um bem bacana e fomos muito bem servidos apesar do horário tardio. Seguimos direto para uma lojinha de bike indicada por alguns otimistas luisalvenses e nada conseguimos. A loja era especializada em Barra Forte e modelos do gênero. De qualquer forma, valeu a visita, pois nos indicaram a oficina certa na cidade seguinte... Jaraguá do Sul.
Tínhamos ainda algo perto de 30 km para percorrer. O traçado original era por uma estradinha de chão quase paralela a SC-413. A distância era a mesma e o traçado parecido. A diferença estava no tipo de estrada: reta e asfalto ou morro e terra? Sentamos para discutir isso e tendo como base o estado lastimável das bicicletas, com o agravante de duas das quatro estarem sem freio, decidimos seguir pelo caminho mais tranqüilo, o nada simpático asfalto da tal SC. Roberto se opôs e iniciou mais uma chata e desnecessária discussão.
O clima estava bem estranho e Roberto parecia não estar se divertindo com a coisa toda. Contrariado, pedalou isolado bem mais a nossa frente, igual uma criança embirrada. Conversamos um pouco durante o trecho seguinte. Ponderando e tentando entender o que foi discutido. Um pouco chateados pela evidente desarmonia do grupo, continuamos a nossa singela aventura.
O trecho seguinte foi apenas formalidade. O objetivo era chegar o quanto antes. Aceleramos o pedal no intuito de conseguir chegar à oficina ainda de dia. Pedalamos separados, refletindo sobre o acontecido. Roberto chegou bem antes e já adiantou o serviço. Diferente das outras cidades que passamos – Jaraguá do Sul já é bem crescida, com seus quase 150 mil habitantes. Estávamos com um pouco de dificuldade de pedalar entre tantos carros e também sem saber direito para aonde ir. Até que uma boa alma nos indicou uma ciclovia independente, pois ela não acompanha o traçado das ruas. É um pouco escondida e só quem conhece a cidade sabe onde ela se esconde. Descoberto o caminho do ouro, rapidinho chegamos à bicicletaria e a Bike Jump era exatamente o que precisávamos: loja bacana com bom atendimento. O mecânico pareceu assustado, o que deixou Fernando momentaneamente angustiado...
- É muito sério, Doutor?
Enquanto o prestativo mecânico usava magia negra para curar as moribundas bikes que sofriam em agonia, admirávamos um dos vários Ferroramas gigantes que encontramos durante toda a cicloviagem... Esse aí era um típico XP-500 que admiramos boquiabertos.
Terminado a bruxaria com nossas amadas bicicletas, muito agradecidos seguimos para o hotel, agora já anoitecendo. Chovia bastante e ainda pedalamos um bocado, pois o hotel situava-se no outro extremo da cidade. Felizes por ter nossas bikes em estado normal, girando e agora freando perfeitamente – por volta das 18h30 demos de cara com um belo e luxuoso hotel. Roberto, para não perder o tom pessimista balbuciou: - não é aqui, cara... não é esse o hotel! Nesse ponto da viagem, nem demos bola e até achamos engraçado a descrença dele pela nossa organização. O fato é que nós também ficamos surpresos com a qualidade do hotel e acabamos nos tornando o desvio padrão do mesmo. Imundos, em nada combinávamos com a suposta elegância do recinto – o que nos fez rir. O quarto era tão bom que nem dava vontade de sair... mas precisávamos comer. Fizemos um lanche no próprio restaurante do hotel e entre Coca-colas e Schweppes, Marcelo fez um brinde debochado a harmonia do grupo, o que fez todos gargalharem...
Terceira etapa cumprida com roteiro alterado e lamúrias acentuadas, descansando dignamente num majestoso santuário dedicado a preguiça...
A idéia de seguir pelo asfalto foi muito providencial, diante das circunstâncias. A estrada de chão, comn certeza, exigiria muito mais das bikes já desreguladas.
Parabéns por mais esse trecho!
Abraços!