Descer para tomar café no pseudochique hotel com o cabelo totalmente desgrenhado e os olhos chapiscados de remela é sinal que a noite foi bem melhor do que o esperado. Parecia injusto ter que sair da cama assim cedo, após dormir tão bem. No frigobar do agradável quarto, um restinho de Coca-Cola exageradamente gelada tomada no gargalo foi a injeção de ânimo que eu precisava para começar a me mover como um ser bípede evoluído. Alguns degraus abaixo - ao avistar o pomposo banquete, inicialmente achei que estava enfartando, mas era apenas minha barriga se contorcendo bizarramente – provavelmente emocionada antevendo o estrago que estava por vir. Havia comida para uma semana, bastava apenas ter sabedoria o suficiente para conseguir ajustar isso tudo no meu estômago. Quando cheguei, Marcelo já estava na terceira rodada – e pela cara de alegria do cidadão, a comida estava boa demais! A variedade era tanta que eu não sabia nem por onde começar. Na dúvida do que me servir, peguei um pouquinho de cada, excluindo apenas o que havia cebola (blergh!). Uma noite bem dormida e um café da manhã (que valeu também como almoço e janta...) desses era tudo o que precisávamos para abandonarmos a nossa atual forma trôpega de se mover. Saímos completamente revigorados, embora um pouco mais tarde que o habitual - por volta das 11h - deixando um rastro de sujeira por onde passávamos com nossas emporcalhadas bicicletas no impecável local, para o total desgosto do simpático gerente. No posto em frente ao saudoso hotel, aproveitamos para lavar as bikes e calibrar os pneus. Uma rápida passada no supermercado para comprar água (economizando assim mais alguns centavos) e ainda dar uma espiadela nas moças bonitas que trabalham nos caixas, corroborando nossa teoria de que o tamanho da cidade é inversamente proporcional à beleza das senhoritas que trabalham nos supermercados. Seguramente podemos afirmar que se houvesse um “Miss Supermercado Santa Catarina” – Vidal Ramos seria muitíssimo bem representada.
DIA 5) DE VIDAL RAMOS À ALFREDO WAGNER – PASSANDO POR LEOBERTO LEAL...
Raros foram os dias que saímos para pedalar com um céu tão límpido e azulado. Descansados e bem alimentados, tivemos um início de dia bastante prazeroso, ainda que não tenha demorado muito para que a primeira grande subida aparecesse e fizesse os nossos cenhos franzirem. De início até tentamos seguir morro acima pedalando, mas o solo irregular e escorregadio agravado pelo acentuado aclive nos impediu de ter o gostinho de tentar zerar o percurso. Humildemente, porém bastante contrariados, desmontamos das sofridas bicicletas e por um bom trecho empurramos as crianças ladeira acima. Muda um pouco a já saturada posição e alivia bastante o forévis, mas o fato é que empurrar as bicicletas num morro tão inclinado cansa tanto quanto pedalar - principalmente pela incômoda posição envergada imposta pelos inflados e muito pesados alforjes.
Creio que levamos mais de uma hora nessa lengalenga em direção ao céu e mesmo num friozinho agradável, suamos aos montes. Penso que de Kichute, nosso desempenho teria sido bem melhor. Ao parar para respirar, mesmo usando os dois freios, lentamente íamos escorregando ladeira abaixo. Morro dos infernos!, pensamos em comum.
Como num espelho, descemos exatamente o que subimos – embora absurdamente mais rápidos. Largamos os freios completamente naquele trecho horroroso, espirrando pedras para tudo quanto é lado (carregamos hematomas nas pontas dos dedos até hoje como lembrança desta parte da viagem). Precisávamos ganhar tempo, já que a exagerada e inesperada subida nos atrasou demais.
Passado o desânimo da longa subida e a adrenalina da empolgante descida, o que se seguiu foi um longo e suave aclive de quase 30 km por onde pedalamos cabisbaixos e contando pedrinhas. Como num achado daqueles que ninguém acredita - quase no meio nada, encontramos um simpático boteco que vendia a valiosa Pureza em garrafa de vidro. Seu Waldemiro, o simpático proprietário na plenitude de seus 87 anos e muito mais lúcido do que nós (o que também não é muito difícil...) nos deu uma aula de como viver bem. Sua longevidade e serenidade são empolgantes e tivemos uma prosa longa e divertida regado ao melhor dos refrigerantes e a pior das rosquinhas de polvilho (que fizemos questão de cuspir fora aquilo que ficou entranhado nos dentes). O mais estranho é que mais para frente, deu muita vontade de comer aquele treco de gosto duvidoso novamente.
Almoçamos na pequena Leoberto Leal (pouco mais de três mil habitantes) por volta das 17h. Fizemos um rápido lanche e já saímos cientes que estávamos bastante atrasados. Começou a esfriar e antes de continuarmos nossa empreita, puxamos os casacos. Todos! – Vocês sabem para aonde estão indo?, gritou um curioso morador. Apontamos com os dedinhos em direção a quem segue para Alfredo Wagner e o cidadão completou: - ah, vão pegar algum frio aí pra cima! Se a intensão era nos deixar assustados, de fato ele conseguiu. A noite caiu e começamos a subir muito. Pedalamos um pouco separados, tentando não pensar muito no que estávamos fazendo. Roberto pedalou um pouco mais a frente, o que foi estranho, já que até então – pedalava sempre atrás do restante do grupo. A vasta escuridão nos fez perder todas as referências gerando uma estranha, porém bacana sensação. Um céu estrelado como aquele - tenho certeza que nunca vimos.
Quando paramos para nos reagrupar e recuperar o já quase inexistente fôlego, percebemos que uma estranha silhueta se formava a poucos passos de nós, se destacando do fundo totalmente estrelado. – Poxa, parece um minotauro do inferno esse treco!, alguém falou apontando para alguns metros acima de nossas cabeças. Quase no mesmo instante, a silhueta se mexe e bufa em nossa direção... Borrar as calças não teria sido vergonha, mas como gastamos tudo o que comemos para chegar ali tão longe e tão alto... ficou apenas no susto, felizmente. Sem perceber - pois estava escuro demais e os Zé Graças estavam brincando de apagar os faróis para testar os sentidos -, estávamos ao lado de um imponente bovino anabolizado de casta superior (provavelmente de origem extraterrestre) e que fez muito bem o serviço de nos assustar horrorosamente. Voamos um parsec dali num piscar de olhos fazendo o cansaço parecer nunca ter existido. Um pouco mais a frente, continuamos a nossa saga de dramatização com elementos mamíferos chifrados. Descemos um bom trecho pedalando lado a lado com várias dezenas de bois quase se amontoando. Perfilados em relação as nossas insignificantes existências, corriam a poucos metros afastados lateralmente, parecendo nos desafiar numa disputa de quem chega primeiro – separados de nós apenas por uma débil e reles cerca. Das coisas mais bacanas e assustadoras que já fizemos em cima das corajosas bicicletas. O estrondo da manada fazia nossos corações vibrarem e éramos guiados hipnoticamente no intuito de seguir o estouro e assim o fizemos até uma bifurcação nos mandar para caminhos opostos. Sem acreditar e ainda ofegantes pelo singular momento, continuamos nossa infindável jornada empolgados demais com a inexplicável sensação. Batendo os dentes, descemos um bom trecho até finalmente chegarmos na bela Alfredo Wagner. Passando frio e também bastante cansados, entramos no hotel após as 22h. Conversamos rapidamente com Sr. Edgar Maciel, assessor de comunicação da Prefeitura da cidade e que muito gentilmente veio nos dar as boas vindas. Sem se estender muito, deixamos uma conversa combinada para o dia seguinte, onde discutiríamos alguns aspectos referentes ao cicloturismo ainda inexplorado na formosa região. Cansados a beça, não conseguimos dar a atenção que ele merecia, mas de antemão percebemos que possui muitas idéias bacanas para o lugar, nos deixando bastante interessados e também empolgados. Tomamos um rápido banho deixando a água do chuveiro correr quase como um fio de raio laser, por pouco não queimando nosso cocuruto, mas pelo menos esquentando nosso gélido esqueleto. Saímos para comer e encontramos um local bem bacana onde jantamos muito bem e ainda interagimos com alguns seres humanos. De bovinos assustadores, por hoje chega!...
Quinta etapa concluída, menos cansados que no dia anterior e com medo de dormir e sonhar com uma invasão alien bovina com chifres gigantescos e tal...
Forte abraço
Estou eu aqui em SP às 02h35min da madrugada, depois de um dia de feira, lendo e caindo na gargalhada sozinho lembrado desse dia maravilhoso.
Rodrigo tem uma boa memória mas se esqueceu de contar do gato do mato que cortou minha frente saindo da mata, o susto foi "pequeno" que meu coração saiu pela boca RSRS...
Roberto
parabéns pela jornada.
Deus abençoe a todos.
Zequinha
Ah, mas é como uma injeção de adrenalina, não é mesmo?
Felizmente finalizaram o dia falando de cicloturismo, isso é muito importante.
Olha, vocês parecem um imã para atrair as estradinhas mais belas e bucólicas da região, parabéns!
Mais um dia maravilhoso!
Continuem a relatar essa viagem magnifica por "terras" do imenso Brasil.
Abraços. :)
abraço Ana.
Saudações Ciclísticas.
Abração a todos
Continuo intrigado: Como vcs nunca se quebram ao descer esse morros tenebrosos no meio do nada sem usar freios? O Rodrigo eu já sei que ainda tem umas 5, 6 vidas, mas quanto aos outros eu nem imagino.
Sua descrição do bovino fez ele parecer umas 2 vezes maior que o normal, e me deixou com receio de passar perto de algum... de fato deve ser meio assustador -hehe.
Muito bacana, galera! Abraços o//
que tal um dia pedalar em lugares planos???
se bem que assim não teria muito assunto para postar aqui kkkkkk
o tal bovino de grande porte assusta qualquer um se não for visto beem de longe...imagina "de sopetão", no meio do nada e à noite, com faróis apagados!
parabéns pedalantes!
estamos sempre atentos à novos relatos!
abraços