Depois de cinco dias pedalando, sorrisos no início da manhã simplesmente deixam de existir, a não ser que você cruze com uma camareira muito bonita pelo corredor do hotel, o que acontece com menos frequência do que gostaríamos. Antes de sair da cama você já sabe que as horas de sono foram insuficientes e que seu corpo ainda sente o castigo do dia anterior. Lavar o rosto com a água que sai estupidamente gelada da torneira nas primeiras horas do dia só piora as coisas. É geralmente em momentos pesarosos como esses que você faísca as idéias mais brilhantes – do tipo... voltar para a cama na ilusão de poder dormir um pouco mais. Na sua mente você até sorri, orgulhoso da própria perspicácia, mas o seu rosto se nega a manifestar tal contentamento, pois você lembra que divide o quarto com um amigo que não gosta de dormir. Você até olha carinhosamente em direção a sua cama e ameaça seguir com a idéia, mas o olhar reprovador do colega que não dorme, franzindo a testa debochadamente no melhor estilo vilão mexicano é um bom indicativo que o reboot do último sono não vai acontecer. Na falta do que fazer e mesmo não estando com fome, você então segue para o refeitório arrastando os pés numa ação condicionada. Cruza o hotel a lentos passos e aproveita o introspectivo momento para repensar algumas coisas. Coça o olho, boceja e come enquanto conversa com os colegas. Dego (AKA: Edgar Maciel) chegou cedo e enquanto tomávamos o café da manhã, tivemos a tal reunião com o simpático assessor de comunicação da Prefeitura de Alfredo Wagner. Uma proveitosa conversa aonde discutimos a viabilidade de um projeto muito promissor que visa explorar efetivamente o seguimento de ecoturismo que hoje é praticamente inexistente na região. Alfredo Wagner é uma cidade privilegiada e seu potencial para o cicloturismo é quase que ilimitado. Reconhecida como a “Capital Catarinense das Nascentes” - além da referida alegoria aquática, Alfredo Wagner está totalmente envolta por um singular relevo repleto de vales, cânions, furnas, campos de altitude e chapadões. Firmamos o compromisso de um dia voltar com mais tempo para conhecer melhor a admirável região e quem sabe até ajudar a desenvolver esse projeto composto de idéias tão prósperas e que beneficiaria diretamente toda a (quase esquecida) classe aventureira.
DIA 6) DA ENCANTADORA ALFREDO WAGNER À RANCHO QUEIMADO – PERDENDO A FILMADORA NO MORRO DA BOA VISTA...
A cidade é pequena, mas muito bem cuidada, habitada por uma população demasiadamente educada, atenciosa e muito prestativa. Poucas vezes passamos por algum lugar no qual nos sentimos tão bem. Não chega a ter dez mil habitantes e como a maioria de seus moradores vive na área rural, tem-se a sensação de que o lugar é ainda menor.
A sexta etapa começou já beirando o meio dia, com a costumeira sensação de bastante atrasados. O trecho inicial foi pedalado numa estradinha de chão muito bacana que segue paralela a BR-282, ainda pertencendo ao perímetro urbano de Alfredo Wagner. Empolgados com a boa recepção e o deslumbrante dia que se formava, seguimos contentes, mantendo o intrépido espírito e sequer percebendo o cansaço acumulado. Nem o GPS que resolveu empombar novamente conseguiu nos aborrecer.
Cientes do atraso e sem a certeza de estar pedalando pelo caminho correto, vislumbramos na BR ao lado, uma forma de ganharmos um pouco de tempo. Nesse ponto da viagem já estávamos com saudade de dar uma esticada num asfalto bom e lisinho. Roberto que declaradamente não curte muito essas mudanças repentinas de planos, sobretudo para rodar no chão preto, sequer se opôs e pouco demorou para que enveredássemos em direção à perigosa 282.
Muito antes do que gostaríamos, surgiram as famigeradas e inconvenientes subidas. Pedalar no asfalto até ajudou, mas o fato é que naquele momento estávamos todos enojados de tanto subir, sendo praticamente indiferente aonde rodávamos.
Nesse trecho, três pneus furaram seguidamente – apenas confirmando algo que já desconfiávamos: feitiçarias a base de fitas antifuros e selantes, de fato não funcionam. Almoçamos muito bem numa caprichada lanchonete de beira de estrada. Precisávamos descansar um pouco e o forte sol do início da tarde incomodava um bocado. Aproveitamos o chão gelado de aspecto aconchegante da varanda do restaurante para tirarmos outra magnífica sesta fora de hora. Roberto gastou os trintas minutos de sono que tinha direito para encher o pneu de sua bicicleta. Por sorte dormi profundamente e não tive o desprazer de presenciar tal fato. Antes de sair, ainda tive que delicadamente chutar o Fernando umas duas vezes, que aparentemente ainda sonhava com sua saudosa cama.
Baixamos as cabeças e disparamos adiante, pedalando de uma forma mais intensa, pois a intenção era chegar ao Alto da Boa Vista ainda de dia, de preferência com o sol brilhando. O desgastante traçado alternava longas subidas com curtas e injustas descidas. Passamos praticamente a tarde toda sem conversar, apenas alternando o infeliz coelho que ditava o ritmo. Bastante cansados pela cadência acelerada – chegamos à entrada do Morro por volta das 17 horas.
O Morro da Boa Vista está situado numa região conhecida como Campos dos Padres e faz parte da formação da Serra Geral, sendo considerado o maior derrame de lava vulcânica da face da terra. É o ponto mais elevado do estado de Santa Catarina com 1827 metros. Chegamos orgulhosamente pedalando até o mirante localizado no município de Rancho Queimado, numa altitude que gira em torno dos 1250 metros.
O local é fascinante e foi o ponto alto da nossa viagem (entenda isso de forma literal e também figurada). O indescritível lugar impressiona para qualquer direção que você olhe e por muito tempo ficamos quietos, hipnotizados, apenas contemplando – cada um a sua maneira -, o singular cenário. Embasbacados com o momento, acabamos perdendo a noção do tempo. Escureceu rápido demais e a temperatura baixou absurdamente. Na madrugada desse mesmo dia, chegou a nevar em vários pontos da serra catarinense. Ainda sem saber da friaca que nos esperava, puxamos os modelitos de inverno dos socados alforjes e seguimos viagem fazendo força para não tiritar os dentes. Como sempre, ainda havia um bom trecho a ser rodado.
Na saída do morro, acabamos perdendo uma das filmadoras que usamos para registrar as imagens. Gastamos bastante tempo procurando, mas sem sucesso. Felizmente, no inicio do dia havíamos descarregado o cartão de memória e pelo menos não perdemos nenhum registro importante. O trecho final foi todo feito na penumbra da 282. Nunca imaginei viajar de bicicleta pedalando de noite por uma BR, ainda mais essa – famosa pelos infindáveis acidentes. A sensação não é das melhores e tomamos alguns vários sustos pelo nebuloso caminho. Em alguns pontos seguimos em pista tripla e sem acostamento, disputando o mesmo espaço que os apressados e imprudentes motoristas que se divertem ignorando a nossa existência. Nos trechos de longas descidas, o intenso vento gelado maltratava sem a menor piedade. Tremíamos quase que incontrolavelmente por causa do absurdo e inesperado frio. Não foi um trecho fácil de ser cumprido e já passavam das 22 horas quando finalmente chegamos a Rancho Queimado. Sequer deu tempo de tomar banho. Deixamos nossas tralhas no hotel e saímos às pressas, apertando os passos em direção à única lanchonete aberta na cidade. Foi por um triz, mas ainda conseguimos fazer um bom lanche, embora um pouco decepcionados pela frustrante sensação de não encontrar Pureza em garrafa de vidro em plena Rancho Queimado.
Sexta etapa concluída, ainda boquiabertos com a deslumbrante visão do Morro da Boa Vista. Contentes por mais uma etapa vencida sem nenhum contratempo, embora um pouco de saco cheio de tanto subir e com algumas sequelas da intensa friagem que enfrentamos na soturna 282.
Um forte Abraço a todos.
Incrível é a vossa disposição (física e mental) para continuarem a postar reportagens. Muito bom!
Parabéns pelo excelentes e ricos textos, mas também pelas bonitas imagens. Definitivamente conseguem transmitir em algumas fotos e breves textos, dias cheios de momentos deliciosos e aventuras diversas.
Julgo ainda não ter visto comentários vossos à escolha da montagem da bagagem, mas aproveito para caso não conheçam verem esse tipo de transporte muito bom, que permite levar mais bagagem com grande comodidade e segurança (http://www.aevon-trailers.com).
Boa sorte na continuação da vossa aventura.
Pela Zona 55 Bike Team, Valério
(zona55biketeam.blogspot.pt)
Um grande abraço, e já na expectativa do próximo!
Pedalar é isso: o prazer supera todos os inconvenientes!
Grande abraço!
demorou este 6º dia! kkkkk
como não lembro direito, pergunto: por que não dormir lá no alto do morro? ou o calendário estava apertado?
quando eu for fazer algo parecido com o que vcs estão fazendo, quero reservar mais um dia só para poder ficar descançando no meio da viagem.
bacana o relato e as chapas,
abraços
Elton Xamã
Mas na boa: Como perderam a filmadora? E de quem foi a culpa? :P
Tiveram pesadelos com morros ou o frio foi tanto que mal dormiram?
Abraços a todos! ;)
Parabéns a todos..!!
Um abraço à todos e espero em breve podermos novamente pedalarmos juntos!
SENSACIONAL vocês são "os Caras".