Conhecendo melhor nossa “Santa & Bela Catarina” – a 5ª viagem... 3 de 7: cultivando a simpatia pelo drama na espetacular UHE de Campos Novos
Escrito por: Rodrigo Martins em 22/02/2014

No ápice da madrugada e no auge do meu estado sonífero, pulei de supetão da adorável cama totalmente desorientado e praticamente engolindo meu coração de volta. Por Jaga! Há um Javali solto no meu quarto - assustadamente pensei. Olhei para todas as direções repetidamente e nada avistei. Esperei meus olhos se ambientarem um pouco mais com o negrume daquele preguiçoso quarto para dar uma derradeira espiadela mais atenta ao redor, apenas por precaução. Sem encontrar monstros, nem avistar vultos, me deitei novamente - ressabiado e com um olho aberto e o outro fechado. Que diabos havia sido isso? Devo ter sonhado, obviamente. Mas parecia tão real, as paredes de alvenaria até tremeram – tinha certeza disso. Por um bocado de tempo olhei para o teto e escutei meu coração bater mais forte do que deveria, ansiando resignadamente pela volta do sono. Somente um pouco antes de conseguir adormecer novamente e após fitar aquele ente suspeito que jazia na cama ao lado é que me dei conta do que estava acontecendo e muito me recusei a acreditar. O assustador som gutural nada mais era do que o Maestro Fernando orquestrando uma sinfonia suína em seu mais profundo sono. Olhei para o relógio do celular e já passavam das 7h quando fui acordado pela terceira vez e impacientemente me levantei para ir tomar café. Como de costume, nosso amigo Marcelo já estava sentado à mesa e de cara perguntou: - que era aquilo solto no quarto de vocês de noite... um chupa-cabra tenor?, completou rindo aos montes, confirmando que ouviu o ronco do Fernando três paredes depois. Apesar de tudo, foi uma boa noite de sono e o café da manhã melhor ainda. Encontramos o Roberto somente perto de sair e o Fernando ainda insistia comovidamente em tentar nos convencer que de fato não roncava. Pois bem, demos um abraço na Dona Jaqueline que tão bem nos tratou e seguimos para o comércio local nos preparar melhor para a empreitada do dia. Mal saímos pela porta e um sujeito qualquer nos pergunta: - estão fazendo uma gineteada? Demos aquela ignorada clássica seguida de um longo silêncio que simpaticamente se formou.

DIA 3) DE ANITA GARIBALDI  À CAMPOS NOVOS – PASSANDO POR CELSO RAMOS...

Agradável e charmosa, Anita Garibaldi é tão bacana que dá até vontade de ficar morando por lá. Possui pouco mais de oito mil simpáticos habitantes e impressiona pela quantidade de farmácias que há no seu centrinho. Entre uma piscadela e outra – avistamos mais de uma dezena. Com listinha na mão, fomos às compras: pilha, bateria, luva, gorro, caneta, caderneta, água e gulodices. Fernando cantarolava irritantemente o “show das poderosas” que sonolentamente demoramos para relacionar as duas “Anitas”. Acordamos cedo e saímos tarde e isso sempre impressiona, quando não irrita – pois antes mesmo de começar a pedalar já sabíamos que estávamos atrasados.

O dia amanheceu gelado, mas foi só começar a subir que o esqueleto esquentou. O sol abriu forte e tivemos que fazer várias paradas para ir tirando aos poucos a exagerada quantidade de roupa que os traumatizados pseudociclistas vestiam. Até Celso Ramos foram quase trinta quilômetros por uma bela e pacata estradinha de chão. Fazia um agradável calor, a estrada era boa e não havia o irritante e costumeiro vento contrário. Pedalamos devagar, conversando e contemplando a diferente paisagem. Celso Ramos é menor ainda que Anita Garibaldi e sem sequer perceber, cruzamos toda a cidade em poucas dezenas de pedaladas, tendo que voltar e procurar algum lugar para comer. Já passavam das 14 horas e pelo que vimos - quase tudo estava fechado. A expectativa não era boa naquele momento e as nossas ronronantes barrigas já se queixavam preocupadas.

Foi então que ouvimos um assovio de uma simpática boa alma que logo perguntou: - estão com fome? – Opa!, respondemos em uníssono quase lacrimejando. O restaurante já havia fechado e com as sobras do almoço e muita boa vontade, nos foi servido um verdadeiro banquete! Arroz, feijão, salada, chuleta na tábua e ovos fritos acompanhados de uma Coca bem gelada para animar. Tivemos uma longa e bela prosa com o senhor Luiz, proprietário do ajeitado restaurante que por fim acabou nos convencendo a alterar o trajeto original para que pudéssemos conhecer a Usina Hidroelétrica de Campos Novos. Relutamos de início, mas assim que ele nos mostrou as fotos mudamos prontamente de opinião. Roberto foi o único que empombou e o fato de o trajeto ser asfaltado e ainda encurtar em pelo menos doze quilômetros a distância, pesou bastante na nossa decisão – pois estávamos de fato muito atrasados naquele dia.

A barragem da UHE de Campos Novos é a quarta mais alta do mundo (nativos batem o pé afirmando que ela é a terceira!) com mais de duas centenas de metros de altura, possui uma área alagada superior a 25 km² e é responsável por aproximadamente ¼ do consumo de energia elétrica do estado de Santa Catarina. Impressiona e vale a visita. Naquela euforia de filmar e fotografar e ainda curtir o momento embasbacado, num misto de pressa, cansaço e uma dose bem generosa de burrice – Rodrigo ao manusear um poderoso e mega-afiado canivete, corta consideravelmente a ponta do seu dedo. Um corte profundo de mais de 3 cm no dedo indicador que só foi interrompido somente por a lâmina ter parado no próprio osso. Parecia uma torneira aberta de tanto sangue que jorrava, o que causou momentos de muita aflição, principalmente pela grande dificuldade de conseguir estancá-lo. O momento era delicado e preocupante, pois estávamos longe de tudo e sem nenhum material de primeiros socorros. O criativo curativo (no melhor estilo MacGyver) foi feito com papel higiênico e fita isolante, e não poderia ter ficado melhor. Seguimos viagem apreensivos - sempre de olho no fariseu para ver se a criatura não desmaiava caminho afora.

Com a longa pausa, instalou-se uma formosa preguiça e não foi fácil se animar morro acima. Poucas vezes tivemos a oportunidade de pedalar durante um final de tarde tão belo. Roberto, nesse ponto da história disparou e só o encontramos algumas meias-horas mais a frente. Chegamos em Campos Novos um pouco antes das 20 horas e precisávamos urgente de médicos para as nossas bicicletas. Alguns gabirus de Celso Ramos alertaram que por lá haveria uma das maiores e melhores lojas de bicicleta de todo o estado – o que nos obrigou a rir em total descrença. A ideia era acordar mais cedo no dia seguinte, procurar a loja e fazer os devidos reparos, mas por um aceno bacana do destino, acabamos passando bem na frente dessa tal loja assim que entramos na cidade. Mal acreditamos no que vimos. Loja grande, completa, organizada e com um pessoal que de tão simpático, nos fez sentir vergonha de morar em Florianópolis. Fizeram uma minirrevisão em todas as sofridas bikes e sequer cobraram pelo serviço. Fica o nosso especial abraço para todo o pessoal do “Ciclista Campos” que tão bem nos atenderam – em especial ao casal Antes, Gilson e Ana Maria – proprietários da bacana loja.

Sem conseguir localizar o hotel no GPS, duas prestativas figuras (Júlio e Neto) nos escoltaram durante a nossa cruzada noturna pela cidade. Campos Novos impressiona pelo tamanho e movimento. Logo paramos na farmácia para comprar as tralhas necessárias para fazer o curativo no dedo capenga do Rodrigo – que aparentava estar bem, e aproveitamos para jogar conversa fora com vários curiosos locais. Antes de ir para o quarto já pegamos o telefone e adiantamos a nossa pizza. Durante o banho, assim que o Rodrigo retirou o inusitado curativo - o sangue voltou a escorrer em grande quantidade. Tempo somente de enrolar o dedo em muito papel higiênico, colocar a roupa e seguir para o hospital. Fernando o acompanhou e de lá ligou para os outros dois amigos avisando da encrenca. A recepcionista era uma das mulheres mais lindas que vimos em toda a nossa vida e que fez todo o drama do corte valer a pena. O enfermeiro que atendeu parecia ter se formado no Instituto Universal Brasileiro – da época em que anunciavam nos gibis do Hulk na década de 80. Tesoura enferrujada e curativo com fita crepe deram um tom mais dramático ao movimentado dia, embora a não necessidade de dar pontos tenha aliviado bastante o momento. O taxista que nos levou era uma figura sem igual. Rimos um bocado com ele. Quando perguntamos se Campos Novos era tranquila e segura ele afirmou que sim - muito veementemente, embora tenha afirmado que já havia sido assaltado e que levara três tiros no peito na ocasião. Se isso é ser tranquilo, nem quero imaginar o que é violento para esse sujeito. A pizza era boa demais, sendo que inclusive nos mandaram uma doce de cortesia. Hotel pacato e silencioso, tudo o que precisávamos para uma boa noite de sono. 

Terceira etapa concluída num dia um pouco mais tranquilo, sem frio e vento contra e com poucos morros para subir. Belo entardecer e uma incrível visita à usina hidroelétrica da região. Rodrigo quase perder o dedo foi só um charme para aumentar a dramaticidade da aventura.

Comentários
Sáb, 29 de março de 2014
Por: Rodrigo
e a foto da recepcionista???
Qua, 05 de março de 2014
Por: Priscila 'Guiga'
Toda vez que leio o blog eu racho de rir... Sei que é feio rir da desgraça alheia (no caso, o "dedo capenga do Rodrigo"), mas vocês transformam em diversão qualquer situação. Se eu passasse tanto frio quanto vocês passaram no dia anterior, acho que eu ficaria traumatizada para todo o sempre e jamais voltaria a pedalar. Não vejo a hora de ler os relatos dos próximos dias dessa viagem!!! Parabéns pelo blog e pelo carisma. Valentina mandou um abraço magrelo para suas quatro servas magrelas. E p*, SEMPRE QUE EU LEIO ESTE BLOG EU TENHO VONTADE DE COMER PIZZA!!!! - Ainda mais depois de ter ido à famosa Pizza Bis em Balneário Camboriú... Dá água na boca só de pensar naquela pizza de berinjela.
Ter, 25 de fevereiro de 2014
Por: Waldson - Antigão cicloturista.
Parabéns meus amigos!
Nem é necessário dizer o quanto eu ri com a "sinfonia suína", né?
As fotos estão realmente maravilhosas e o relato ótimo como sempre.

Super-grande cicloabraço!
Sáb, 22 de fevereiro de 2014
Por: Éder Strutz
Parabéns Pessoal!!! Realmente o lugar é belo... as imagens da Hidrelétrica ficaram show!!! E como sempre o relato sempre dando vida as fotos.
Sáb, 22 de fevereiro de 2014
Por: Eleonesio Diomar Leitzke
Novamente um divertido relato e rápido....o que anda acontecendo com o redator???? Ta tomando red bull??
E um detalhe importante, deu a dica de um ponto de parada em Campos Novos para a minha mega pedalada que deve acontecer em maio ou junho, com a dica da loja de bikes.
Um forte abraço e que venha o próximo dia.
Sáb, 22 de fevereiro de 2014
Por: Antônio Carlos Heil
Caros: bela região para pedalar, com direito a um belo visual de tarde, na usina de Campos Novos. Só quem passou por aí sabe o que isso significa.

Parabéns. Abcs