Trilhando a serra atrás da misteriosa locomotiva de Corupá
Escrito por: Rodrigo Martins em 12/07/2015

Mais um pouquinho e teria dado tempo de escutar toda a discografia dos RAMONES enquanto amanhecíamos ao volante numa entediante viagem rumo a Corupá, longínqua cidadezinha do norte catarinense. Angustiado ao telefone, Éder nos avisava que já estava in loco se adiantando e tomando café. Ainda tínhamos uma beiradinha até chegar na capital catarinense da banana e rodamos por pelo menos mais uma meia hora até encontrá-lo em companhia de Seu Antônio - ambos estarrados na calçada em frente a padaria, tomando banho de sol e coçando as barrigas. A dona da taverna poderia muito bem ser uma feiticeira, tamanha a facilidade que nos vendeu tantos doces. De barriga cheia e rancho feito, aguardávamos apenas a chegada do Eduardo que deveria estar vindo de ré, dado a demora para chegar. Nesse meio tempo, fizemos umas ligações malcriadas para o Roberto que estava criando o desagradável hábito de confirmar presença e desistir mentalmente em cima da hora, presumindo erroneamente que o nosso poder Jedi funciona bem aos feriados de madrugada. Os carros ficaram dormindo num pequeno hotel nas proximidades do centro e só por volta das dez horas é que iniciamos o inusitado pedal. Seguimos direto para a estação de trem para ver o Ferrorama XP-400 estacionado em sua forma gigante. A testa franzida do Rodrigo indicava que algo não estava certo e somente após vê-lo desconsolado sentado ao meio-fio com as pernas cruzadas e sua bicicleta encostada é que tomamos conhecimento da gravidade da encrenca. Uma pane generalizada no cubo traseiro de sua desafortunada GT decretou o fim do passeio para o infausto rapaz logo no início - obrigando todos a voltarem para o hotel no intuito de remanejar o que fosse possível para que a cicloviagem pudesse ter a devida continuidade. Enquanto o infeliz guardião do GPS seguia de carro de volta para Florianópolis, ficou a encargo do Marcelo a responsabilidade de lidar com o neurastênico dispositivo e guiar o abalado grupelho bastante morro acima em direção a São Bento do Sul. Instantes depois do reinício da jornada, por uma mísera fração de segundos, Marcelo não foi prensado num curioso acidente entre um Ford Fiesta de papelão e uma D10 de adamantiun. Sem explosão, embora com muito bate-boca, a folia durou apenas até os tiras chegarem e colocarem ordem nos desbocados caipiras.

O impiedoso sol do meio-dia castigava os remanescentes do então quinteto que seguiam o sinuoso caminho da majestosa Serra do Mar ganhando altitude muito rapidamente. A trupe de pseudociclistas era guiada pelo encantador som do bozó que apitava despirocadamente não muito longe dali, encoberto pelas bilhões de bananeiras que antipaticamente não o deixavam ser visto. Cientes do mega-atraso, tentávamos acelerar a brincadeira e a primeira parada mais longa foi um tanto mais adiante, na ponte sobre o Rio Humboldt e logo em seguida no primeiro túnel da linha férrea – relíquia escavada em rochas pelos anões da terra média. Eduardo pedalava calado, visivelmente com ares de arrependimento da noitada anterior e a cada apito do seu celular ríamos de sua reação aflita, imaginando o que o infeliz aprontou poucas horas antes. Se já não bastasse o Roberto com suas crises de localização, Éder cismou com o temperamental GPS e aquela habitual lengalenga se repetiu, embora com protagonista cômico diferente. Já ciente que o Éder e o GPS não chegariam em um consenso, Marcelo interviu se comunicando por assobios com os Hobbits locais muito ao longe, no melhor estilo Vingadores do Espaço, aprumando o quarteto novamente assim que os pequenos seres acenaram positivamente lá de baixo.

Afetados de tanta fome, combinamos em parar para lanchar na - segundo o Éder – “gloriosa” estação de Rio Natal. Uma pocilga totalmente abandonada já em forma de ruínas que fez todos passarem batidos sem cerimônia alguma, seguindo até um convidativo gramadinho um pouco mais além, onde sentamos para degustar os apetitosos pães com bolinhos de carne encomendados da padaria de Corupá. - “Má vá! Capazzz... sobe aí e pega uma porção que quisé”, nos respondeu um simpático nativo quando o indagamos se poderíamos pegar umas laranjas do seu quintal exageradamente carregado. Sobremesa garantida, continuamos a pedalada com o trem apitando continuamente, embora ainda sem conseguirmos avistar o pomposo brinquedo. Numa dessas empurradelas marota – o pneu do cabisbaixo Eduardo explode, causando (com o perdão do exagero) um estrondo maior que mil trovões! Preocupados e com uma chuva de pensamentos pessimistas rodando a cachola dos quatro desventurados pedalantes, antes mesmo de faiscar o primeiro lampejo de desespero, uma boa alma e sua abençoada picape oferecem uma providencial carona ao camarada ranzinza e sua claudicante bicicleta até alguns poucos passos do hotelzinho em São Bento. Com a segunda baixa, o agora trio seguiu pedalando de forma extremamente cautelosa, refletindo sobre a malfadada manhã de sexta-feira.

Abraçado com a noite veio o frio que fez a trinca acelerar. Seu Antônio parecia cansado, mas seguiu firme na última esticada morro acima e nessa altura da brincadeira Eduardo já estava no hotel acomodado, recomposto e de sorriso estampado – pelo menos assim imaginávamos. Rodrigo, por SMS nos avisava que há tempos estava em casa e naquele momento jazia em sua amada cama assistindo maratona de Dragonball Z e estufando a pança com pipoca – o que nos causou uma certa inveja. Sem surpresas, o hotel era do mesmo nível dos piores que já ficamos e no momento mais trash do dia - o disjuntor enfartou bem no meio do banho dos emporcalhados cicloaventureiros. A janta foi aquela pizza básica com gosto de apenas matar a fome. Todos miravam mesmo era a cama e não demorou muito para a orquestra suína quebrar o silêncio da madrugada são-bentense. Após uma revigorante noite de sono, todos pularam cedo da cama e após um rápido café, seguimos para a oficina Caloi mais próxima – na esperança de dar um jeito na bicicleta do Eduardo.

De pneu novo comprado, seguimos então para o primeiro supermercado que avistamos para nos prover de água, doces e porcarias afins. A ideia era não passar fome no que imaginávamos ser um caminho bastante morro abaixo, embora eu já tenha sido enganado tantas vezes que procurei não criar muita expectativa em relação a isso. Um breve tour pelo centro de São Bento para tão logo seguirmos em direção a Campo Alegre, vinte e tantos quilômetros adiante e onde nos ajeitamos para almoçar numa belíssima churrascaria, que além do belo rango, nos entreteve com Braddock – o super comando (clássico mor da entidade divina Chuck Norris) - que passava na simpática e saudosista TV. Depois da exagerada, embora merecida comilança, seguimos pedalando forte lutando contra uma preguiça generalizada que se negava a desapegar. Procurávamos não dar muita bola para o forte sol que fazia sua graça lá de cima esquentando as nossas moleiras aqui embaixo. A calmaria do belo descampado contagiava e seguíamos contemplando o lugarejo pedalando já não tão perto uns dos outros. De descida, foram mais de 25 km que chegaram a fervilhar os discos de freio das sofridas bicicletas - quase nos fazendo sentir saudade das saudosas subidinhas. Findada a serra do Rio Manso, foi a vez de aportarmos em terras schroedenses, onde sentamos para o rápido nescauzinho da tarde e seguindo sem demora para a esticada final numa bela morrebazinha de três quilômetros.

No hotel em Corupá queriam cobrar 20 merréis por cabeça para o merecido banho, no entanto teríamos que nos secar com toalha de rosto (já que as de humano normal haviam acabado) e a solução que encontramos foi viajar imitando uns porquinhos. Por telefone avisamos o Roberto (que parecia um zumbi recém ressuscitado erguido do seu sofá imperial) que faríamos escala em Balneário Camboriú.  - O quê? Ã, aonde? Que foi? Pizza?... Ahhh tá! Lá na Pizza Bis onde trabalho? Sim, sim! Isso! Vai,vai... podem ir. A tal pizza que em dias comuns já é considerada a melhor do mundo, em tempos de fome ultrapassa as fronteiras das galáxias e duvidamos que na via láctea exista coisa melhor para se comer. Sabendo do apreço do Rodrigo pelas tão bem-conceituadas pizzas do Roberto, nada mais justo do que bombardear o celular do sujeito com as fotos das iguarias do além, apenas pelo simples prazer de encher o saco – oras pois. Já era tarde e passou da hora da chinelagem se retirar. Depois de muita conversa e boas risadas e alguns discretos arrotos, nos despedimos do amigo Roberto e cada qual seguiu o seu caminho. Ainda tínhamos um trecho de 101 para rodar e no fim, pedalamos por dois dias, fomos embora e não vimos o tal do trem! rodando...

Comentários
Qui, 08 de outubro de 2015
Por: Eleonésio Diomar Leitzke
Kakaka, esse relato ainda não tinha visto. Show de bola, muito engraçado e belissimas fotos. Um dia ainda esse pobre mortal irá pedalar com vcs.
Seg, 13 de julho de 2015
Por: Diego Damiani
Adoro fotos nestas pontes de ferro. São muito bonitas. Esta não foi diferente. Parabéns!
Dom, 12 de julho de 2015
Por: Jedson Eleuterio
Cara quando pedalei por estas bandas vi o saudoso trem. A primeira vista até que é legal, porém num determinado momento o grupo correu feito um doido pra cruzar a linha antes da composição, que corta a estrada em vários pontos. Abraços