Outrora, quando acusado de sofrer de algum tipo de desarranjo mental eu até me sentia ofendido. Por fim, acabei me acostumando. Ainda mais agora, onde emendamos duas viagens seguidas com apenas quatro dias de intervalo. Aproveitamos o feriadão de Páscoa para repetir a nossa primeira viagem – A Pedalada do Peregrino da Alvorada, lá de meados de 2009, época em que os ilustres Fernando e Roberto ainda tinham o prazer de não nos acompanhar. Confirmado de supetão o reboot, as tralhas tiveram que ser arrumadas bastante às pressas e embora tenhamos tomado mais Nescau do que o habitual, o momento ainda era capenga para os nossos recém-maltratados esqueletos. Revisadas e brilhosas, as bicicletas pareciam mais empolgadas com a aventura que estava por vir do que os desconfiados donos. A esperança de alguém desistir animava os meus pensamentos preguiçosos, mas isso não aconteceu e só me dei conta que não havia mais volta quando ainda de madrugada já estava dentro do carro rumo à longínqua Urubici. Houveram uns xingamentos iniciais por ninguém ter desistido da absurda ideia e fora isso, foi uma divertida viagem. Até passamos no morro da Boa Vista para dar uma vasculhada mais atenta no inóspito lugar na esperança de encontrar a câmera que ficou para trás alguns dias antes. A bela Urubici está situada no ponto mais elevado de Santa Catarina e mesmo no verão faz frio à beça. Antes de partir, comemos o mais delicioso pastel semidormido vindo direto da famosa quitanda da Dona Vanderléia. Pepsi em lata bem gelada para não perder o dom do arroto e já estávamos preparados para outra descabida jornada. Um aviso importante ao sempre falante e amigo motorista: - Ó, deixa o celular ligado que qualquer coisa o senhor já sabe... Sem saber se ria ou ficava preocupado, o Senhor Mazolla seguiu de carro para o litoral enquanto iniciávamos mais uma curiosa aventura. Para quem fez juras de hibernação, estávamos de volta ao batente absurdamente cedo...
Com o asfalto ainda cheirando a novo, deslizamos por um bocado de tempo numa estrada perfeita, rumo à subida da serra e em direção à Braço do Norte. O ar serrano é tão puro que chega a causar estranheza e embora fizesse sol naquele momento podíamos facilmente sentir as nossas narinas geladas. A Serra do Corvo Branco foi a primeira estrada a ligar a região serrana com o litoral catarinense e o corte de rocha com dois imponentes paredões de mais de 90 metros impressiona. O som de pássaros e de algumas pequenas cascatas ajudam a criar uma sensação única, dando a impressão de estarmos no local mais belo pelo qual já pedalamos.
Num momento de singular “sabedoria” coletiva, por muito pouco não deixamos as bicicletas e todos os nossos pertences caírem no infinito de um dos inúmeros precipícios da região. Correria e saltos desesperados que por fim evitaram o pior, embora tenha causado algum tipo de constrangimento pela patetice do momento.
Sem ainda se recuperar totalmente da absurda lambança, continuamos a nossa evidente desventura já com a sensação de atrasados. Uma rápida parada numa comunidade chamada Aiurê para a tradicional Coca-Cola e porcarias afins e tão logo continuamos a brincadeira. Não bastasse o susto de quase perder tudo no desfiladeiro sem fim, em outro descuido, ainda quase fui picado pela estressada serpente (que felizmente errou o bote).
Cruzamos rapidamente a pequena Grão Pará, chegando apenas no início da noite em Braço do Norte. Cansados e famintos, fomos muito bem recebidos pela família Uliano, com direito a estrogonofe de camarão e tudo mais. Uma breve caminhada pela exageradamente pacata cidade e cedo já estávamos de volta. De bom grado, cedemos o melhor quarto para o Marcelo (único com TV e ar-condicionado) na esperança que a criatura se empolgasse e dormisse um pouco mais. Bem dormidos, após um breve café reiniciamos a nossa jornada por volta das 11h. Percorrermos ligeiramente a Capital Catarinense da Moldura rumo à São Bonifácio, mas não sem antes o Rodrigo se despedir de uma montoeira de parentes que parecia não ter fim.
Lá pelas tantas almoçamos em Rio Fortuna e em seguida começamos nossa via crúcis morro acima. O forte calor aliado ao cansaço acumulado dificultava bastante às coisas. Engolimos poeira aos montes e a cada carro apressado que passava, pedalávamos momentaneamente às cegas, já que para tanto, não chovia há várias dezenas de dias.
Perto do final da tarde bateu o desânimo. Realmente estávamos cansados e naquele momento já nem pedalávamos mais com prazer. A cada Tobata que passava, nossos olhinhos brilhavam numa possibilidade de carona, mesmo sabendo que o nosso orgulho Sayajin não permita tamanha falcatrua. De qualquer forma, ficou acordado que no dia seguinte encurtaríamos o caminho e isso foi a injeção de ânimo que precisávamos.
Chegamos tarde em São Bonifácio, um pouco após as 20h e muito cansados. Um rápido banho sem demora, apenas para tirar a craca e seguimos rapidamente para procurar alguma baiúca aberta para jantar. Lanchamos numa pastelaria bacana, embora confusa, pois aparentemente em São Bonifácio X-Egg e X-Salada com ovo não são as mesmas iguarias. O quarto do hotel era dos mais simples, desses com paredes de madeira ultrafinas onde um urso sem noção roncava quatro quartos além e a acústica fazia dar a impressão que o homem feio estava dentro do nosso quarto. Dormimos com um olho aberto e o outro fechado – só para garantir. O café da manhã foi um dos piores da história, mas sequer incomodou. A moça do hotel se esforça bastante para manter o pequeno estabelecimento aberto e valorizamos esse tipo de coisa. Muito cedo já estávamos na estrada imaginando como bom seria estar em casa.
Esse trecho que liga São Bonifácio a Águas Mornas é muito bacana de se pedalar, apesar de ter que subir um bocado no início. Como já o fizemos em outras oportunidades, baixamos a cabeça e aceleramos o pedal, ignorando quase que completamente as belas paisagens da formosa região. Seu Mazolla nos esperou pacientemente em um posto de gasolina qualquer na movimentada BR-282, já que sabiamente resolvemos surrupiar esse trecho horroroso da viagem. Atrasamos um pouco, pois rendemos bem abaixo do esperado. No pequeno trecho até Florianópolis demos uma breve cochilada no carro, evidenciando a inevitável exaustão. Foram mais 180 km rodados em 2 ½ dias (já que gazeteamos a metade do último) num atípico modo "sempre cansado". Pedalamos doze dias em dezesseis possíveis e isso certamente fez de nós pessoas mais felizes. Embora de lá para cá, muita gente ande questionando nossas faculdades mentais...
Achei muito bacana essa pedalada, embora estivessem morrendo desde o começo.
Paisagem muito bonita, e até que tiveram muita sorte de não perder as "brilhosas" no barranco infinito ^^
E esperamos que o sr. Rodrigo tenha aprendido a não mexer com serpentes estressadas hehe.
Abração!! o//
Continuação de boas pedaladas
Hernâni
Aveiro - Portugal
São relatos como esse que nos incentivam a continuar pedalando e conhecendo esses cantos e recantos tão belos de nosso Brasil.
Abraços do Antigão!
Tenho muita vontade de fazer o que chamo Desafio das Serras, subindo o Rio do Rastro e descendo o Corvo Branco e minha pergunta é se dá pra fazer em dois dias. Outra coisa, depois de subir até o Morro da Igreja é possível entrar na base do Cindacta? Os milico deixam?
Mais uma vez parabéns pela viagem e não esqueçam de quando vierem ao litoral norte, avisem para dividirmos uma pedalada.
Abraço
Fábio Vieira
(Pedala São Chico)