Já bem tarde da noite, uma última espiadela na estimada bike antes de ir para cama. Vê-la toda formosa, brilhando e já com os alforjes montados fez o coração bater um pouco mais forte. Finalmente o tão esperado momento havia chegado. Ninguém dormiu direito na noite anterior - imagino. Todos ansiosos pelo nascer do dia e azar!, que a previsão era chuva. O importante era colocar as rodas das bicicletas para girar. É contagiante, mesmo que num pensamento solitário, a sensação de saber que algo muito bom vai acontecer novamente. Com a experiência da viagem passada, organizar a pedalada deste ano tornou-se algo muito mais simples e tudo estava relativamente pronto com uma margem de tempo extremamente confortável. Férias agendadas em sintonia, rota traçada, patrocínio acertado, hotéis reservados e as inseparáveis companheiras revisadas. Sem ao menos perceber essa transição de praticamente um ano entre a viagem que passou e a que estava para começar, o bom e velho inoportuno celular já estava tocando, numa falsa tentativa de despertar pessoas que já estavam há muito acordadas, dando a devida dica para que saíssemos correndo da cama, pois o momento de encarar mais uma grande aventura acabara de chegar. Nescau tomado as pressas, quase correndo e já com aquele friozinho na barriga. Um abraço da família com aquele mesmo olhar de sempre: vocês são loucos... Uma última conferida em tudo antes de partir, com a sempre recorrente sensação de estar esquecendo algo e o.k.! Aparentemente tudo certo. Foi somente quando engatei a sapatilha no pedal e distante do mundo o suficiente para nem de longe lembrar a tal da previsão do tempo (cuidadosamente acompanhada por nós durante a semana) é que percebi... estava chovendo pra caramba. Instantaneamente vieram as lembranças da viagem passada, onde pedalamos agoniados por cinco dias consecutivos na chuva. Parece que alguns traumas foram criados, pois no mesmo momento o telefone começou a tocar. Eram os colegas de viagem compartilhando a mesma aflição. Cogitou-se seriamente adiar a pedalada e isso causou um profundo desgosto. Foi tão decepcionante pensar nessa possibilidade que decidir encarar a desagradável chuva novamente pareceu ser a decisão mais coerente do mundo. Enrolamos alguns minutos na esperança de amenizar um pouco o mal tempo e cada um aproveitou do seu jeito para fazer alguma derradeira adaptação do tipo - gambiarras com sacos de lixo e tranqueiras afins nos constrangidos alforjes. Pelo menos as roupas têm que chegar secas, pensamos ainda traumatizados. Fui o primeiro a sair e 7h20 já estava molhando o cocuruto numa gélida garoa com cara de inverno. Passei na casa do Fernando e como sempre, tive que esperar a figura, mas nada que já não estivesse previsto. À medida que pedalávamos, o tempo parecia melhorar. Encontramos os dois últimos comparsas (Marcelo & Roberto) um pouco mais a frente, já num viaduto sob a BR-101, buscando abrigo. Sorrisos escancarados, abraços afeminados dispensados e tudo conferido outra vez, mas agora em conjunto. Exatamente as 8h20 iniciamos a nossa terceira viagem por cidades catarinenses e empolgadíssimos como nunca... apesar do mal tempo.
DIA 1 - DE FLORIANÓPOLIS À BRUSQUE PASSANDO POR TIJUCAS...
Iniciamos a empolgante comitiva em direção ao norte do estado de forma acelerada. Queríamos sair o quanto antes da alçada desagradável da BR-101. Quando chove, Florianópolis praticamente pára. O fluxo de veículos era absurdo demais até mesmo para uma terça-feira. Raramente pedalamos em dias úteis e esse tumulto todo nos deixou um pouco apreensivos. Contudo, o trecho inicial não era longo e pouco mais de 15 km depois - já estávamos entrando em Biguaçu em direção a Sorocaba e vilarejos Hobbits adjacentes.
Mais tranqüilos por termos saído vivos de Cibertron - ainda pedalamos por mais 10 km num asfalto lisinho, que no fim da história, até fez falta. A região é muito bacana de se pedalar. Faz um traçado paralelo a BR-101, porém raramente passa carro. Motoca CG é pior mato e com um pouco de sorte você é capaz de encontrar alguma Tobata barulhenta para alegrar o dia.
O prazer de pedalar pelo interior é poder vivenciar as coisas mais bizarras possíveis. Em algum lugar por aí, encontramos uma malévola criatura. Um gigantesco ser negro alado de envergadura assustadora. Um enorme megaurubu, daqueles bem encarnados - que parece ter sido criado igual cachorro. Um Rottweiler com asas, por assim dizer. A tal ave de rapina mal intencionada fica camuflada no acostamento, perto das árvores. Imóvel, igual uma carranca, sem chamar muita atenção - só esperando o ciclista desavisado passar para dar o bote certeiro. O desafortunado escolhido? Roberto... quem mais? Quase morreu do coração e nós também... de tanto rir.
Ponte “Bulcão Vianna”... Desde 1930 assustando quem pedala por ela.
Perto do meio-dia chegamos em Tijucas. Almoço bom, com comida caseira, num restaurantezinho perto do centro. Descansamos um pouco, mas não o suficiente, pois o dia prometia ser longo e acabamos reiniciando o pedal ainda com as barrigas cheias.
Ainda faltava muita estrada para percorrer e apesar da chuva ter dado uma trégua, o chão molhado estava bem pesado - o que fez a pedalada render bem menos do que gostaríamos. Pneu novo e furado sempre é um drama extra. Demoramos mais que o normal para trocar, já evidenciando o cansaço de todos e por conseqüência disso - atrasando bastante o dia.
Lá pelas tantas, algo realmente inesperado. Seguindo atentamente o traçado do GPS, ouvimos de longe, muito de longe - algumas criaturas locais gritarem alguma coisa do tipo essa rua não tem saída...Ninguém deu muita bola, até por que instintivamente não queríamos acreditar nisso. Mais adiante, por desencargo de consciência, perguntamos para a primeira criatura viva que passou por nós em um bocado de tempo. Uma cara meio feia indicava algo do tipo – vocês estão ferradinhos da Silva e então proferiu exatamente o que não gostaríamos de ouvir: – podem voltar amigos. Essa rua não tem saída! Putz... E agora? Parecia uma rua normal e aparentemente tudo o.k. no GPS. Acreditar no homem ou na máquina? No Exterminador do Futuro não deu muito certo esse tipo de incerteza. Nesse momento, Roberto estufou o peito todo orgulhoso e começou – eu falei! Falei que não era por aqui... Parecia uma assombração voltando. Tudo de novo... “Roberto VS. GPS”. O disco arranhado mais chato da história do pedal. Bom, para não correr riscos (inclusive de o Roberto continuar resmungando...) voltamos um bom trecho e seguimos a indicação do pessoal do vilarejo que aparentemente estavam muito bem intencionados. Mas ficou a dúvida...
Aprumados novamente, foi só seguir as placas. Escureceu repentinamente e na mesma medida começou a chover. Para piorar e já bem cansados - começamos a subir, subir, subir... Já passava das 19h. Quase exaustos e com muita fome, morro acima e no meio do nada, com muita chuva e frio... Frio daqueles de bater os dentes e chuva daquelas de não conseguir enxergar nada um palmo a frente do nariz. Levou uma eternidade para subir todo aquele morro. Em vários momentos pensamos em desistir... o que soou meio deprimente, já que era apenas o primeiro dia. Lama, escuridão – nesse momento tudo dificultava. Coração batendo a mil e quase saindo pela boca. Vencido o duradouro lameiro acima, ainda encaramos um bom trecho de asfalto (também morro acima). Tivemos bastante dificuldade em entrar na cidade. Com a forte chuva, aqueles desagradáveis paralelepípedos estavam pior que sabão e ninguém foi ao chão por pura sorte. A cidade é grande e levamos um bom tempo até chegar ao centro. Uma descuidada moça ainda cruzou repentinamente nossa frente na ciclovia e Roberto, por muito pouco, não atropela a cidadã. O grande susto deu até uma despertada em nós, que nesse momento já estávamos quase nos entregando ao cansaço. Chegamos ao hotel perto das 21h - cansados e encharcados –, após 112 km de uma boa e rigorosa pedalada. Depois de instalados, tomamos um bom banho e saímos para comer com as pernas bambeando. Entramos numa pizzaria indicada pelo pessoal do hotel. Cara demais e não tinha TV. Tínhamos um bom patrocínio esse ano, mas o nosso bom senso veio junto. Levantamos sem a mínima cerimônia e seguimos para um rodízio em outra pizzaria localizada uma quadra à frente. Não sei se foi um bom negócio, pois a pizza era simplesmente horrorosa... Pelo menos matou a fome e ainda assistimos a final do BBB...
Primeira etapa cumprida, um pouco mais cansados do que esperávamos e desagradavelmente enrugados de tanta chuva.
Parabens gente!
Que beleza de viagem heim? =)
Fotos belíssimas!
Abraços
Cíntia Oliveira
Fortaleza - Ceará
Gostei das novas camisetas, muito bonitas! O site também está lindo!
Parabéns por esse primeiro dia sob chuva e sobre barro! Isso é o prazer do cicloturismo!
Antigão.
Estou morrendo de inveja.
Só belissimas imagens como de costume.
Parabens e continuem sempre assim!
Odair
Abraço.
João
Cicloabraços!
Tuquinha
www.mtbbiguacu.blogspot.com
www.pedalabiguacu.blogspot.com
Vanderléia
Lendo e lembrando a viagem que saudade, estar na estrada com os amigos. Estou dando gargalhada sozinho, lendo as historias do primeiro dia, lembrado da cena do gigantesco corvo que foi uma cena de filme, pena que não teve registro para a galera ver, isso que só foi o primeiro dia Rssss. Não vejo a hora de chegar a próxima viagem. Parabéns Rodrigo você tem uma memória de 1000 GB.
Roberto